O programa emergencial de manutenção do emprego e da renda e seus reflexos no direito do trabalho

02/04/2020
02/04/2020 admin

por NILTON SIMÕES CARDOSO, Advogado

Visando minimizar o impacto socioeconômico decorrente da pandemia do coronavírus, o Governo brasileiro anunciou ontem (01/04/2020) o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, um pacote de medidas que irá possibilitar aos empregadores, em especial pequenas e médias empresas, a redução dos salários dos empregados com a consequente diminuição da jornada, além da suspensão do contrato de trabalho, sem custo para a empresa.

O Programa foi instituído pela Medida Provisória nº 936/20, publicada no Diário Oficial do dia 01/04/2020 e trouxe a figura do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, de suma importância para assegurar que as medidas encontradas não se resumam a socorrer apenas as empresas, mas garantam, também, a subsistência dos trabalhadores afetados, o que se faz imperioso não só pela óbvia necessidade de impedir que estes sucumbam à miserabilidade, como também pela injeção de dinheiro na economia, pautada pelo consumo.

O Programa faz parte de um pacote de medidas que tem por escopo desonerar a folha salarial e viabilizar a manutenção da atividade econômica neste momento de grave crise e incerteza gerado pela necessária adoção do método de isolamento social. Antes de sua apresentação, foram editas as Medidas Provisórias nº 927/20 e 932/20, valendo lembrar que a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho ora anunciada constara da primeira versão da MP 927/20, em seu artigo 18º, revogado horas após a sua publicação.

De suma importância, o pacote de medidas agora finalizado era esperado por empresários e trabalhadores desde meados de março do corrente ano, quando os impactos das chamadas quarentenas voluntárias já eram notórios, mas há grandes chances de, apesar dos muitos acertos, ser insuficiente para evitar a grande onda de desemprego que se anuncia.

A primeira medida apresentada foi a possibilidade de redução de jornada com preservação de renda, através da qual o Empregador e o Empregado poderão, individualmente, acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e salário de seus empregados, observadas as seguintes condições: a) Preservação do valor do salário-hora de trabalho; b) Prazo máximo de 90 dias, durante o estado de calamidade pública; c) Pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, devendo a proposta ser encaminhada ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos; e d) Garantia provisória no emprego durante o período de redução e após o restabelecimento da jornada, por período equivalente ao da redução.

Observadas tais condições, a redução poderá ser de 25%, 50% ou 70%, valendo para todos os empregados em caso de celebração de Acordo Coletivo e limitada, na hipótese dos dois maiores percentuais, aos empregados que recebem até três salários mínimos (R$ 3.117,00) ou, para os acordos individuais, mais de dois tetos do RGPS (R$ 12.202,12).

Durante o período de redução da jornada, o empregado estará habilitado a perceber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, custeado com recursos da União, que terá como base o valor mensal do seguro desemprego a que o empregado teria direito. Assim, havendo redução de 25%, o empregado fará jus, no período de redução, a 25% do valor mensal do seguro desemprego e assim sucessivamente.

Convém salientar que a jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de dois dias corridos se houver: a) Cessação do estado de calamidade pública; b) Encerramento do período pactuado no acordo individual; ou c) Antecipação, pelo empregador, do fim do período de redução pactuado.

Importante ressaltar que a possibilidade de redução proporcional da jornada e do salário vinha sendo amplamente debatida nos últimos dias, sobretudo em razão do quanto previsto no artigo 503, da CLT, que considera “lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”. O entendimento predominante, todavia, caminha no sentido de que tal artigo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que esta trouxe, em seu artigo 7º, VI, a previsão de “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” como direito social.

A tendência, agora, é de que o Programa seja chancelado pelo Superior Tribunal Federal, dispensando-se a negociação coletiva para adoção de tal medida, o que, no atual cenário de calamidade, mostra-se extremamente acertado, em face das inúmeras restrições de circulação, que dificultariam qualquer tentativa organizada de negociação coletiva, sobretudo pelo volume de demandas simultâneas nesse sentido, além da preservação do valor do salário-hora, o que afastaria, prima facie, a violação do preceito constitucional mencionado em linhas pregressas.

O Programa trouxe, ainda, uma nova e melhorada versão da medida de suspensão do contrato de trabalho pretendida no artigo 18 da MP 927/20, revogado às pressas em face da repercussão negativa gerada pela ausência de previsão de qualquer auxílio aos empregados que tivessem seu contrato suspenso. Nesta nova redação, o empregador poderá acordar a suspensão do contrato de trabalho com os empregados, os quais farão jus, no período que perdurar a suspensão, ao recebimento do mencionado Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda.

Na mesma linha da medida de redução de jornada, foram previstas as seguintes condições: a) Prazo máximo de 60 dias, podendo ser fracionado em até dois períodos de 30 dias cada; b) Pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, devendo a proposta ser encaminhada ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos; c) Durante o período de suspensão contratual, o empregador deverá manter os benefícios pagos aos empregados (plano de saúde, seguro de vida, etc.); d) Durante a suspensão, o empregado não poderá permanecer trabalhando para o empregador, ainda que parcialmente, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância; e e) Garantia provisória no emprego durante o período de suspensão e após o retorno ao trabalho, por período equivalente ao da suspensão.

As empresas com receita bruta anual até R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) poderão acordar individualmente a suspensão, sem qualquer pagamento de ajuda compensatória, dos contratos de trabalho dos empregados que recebem até três salários mínimos (R$ 3.117,00) ou mais de dois tetos do RGPS (R$ 12.202,12), podendo fazê-lo com qualquer empregado, em caso de acordo coletivo. Neste cenário, os empregados que tiverem o contrato suspenso receberão 100% do valor mensal do seguro desemprego no período que perdurar a suspensão, mediante Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda.

Já as empresas com receita bruta anual superior ao limite acima indicado, caso desejem pactuar a suspensão ora mencionada, estarão obrigadas a pagar 30% do salário do empregado como forma de ajuda compensatória, observados os demais critérios de restrição entre acordo individual e coletivo. Nesta hipótese, os trabalhadores receberão 70% do valor mensal do seguro desemprego custeados pela União.

Em seu artigo 17, I, a MP 936/20 disciplina que “o curso ou o programa de qualificação profissional de que trata o art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943, poderá ser oferecido pelo empregador exclusivamente na modalidade não presencial, e terá duração não inferior a um mês e nem superior a três meses”. A redação aqui transcrita causa confusão, uma vez que faz expressa menção a requisito legal deliberadamente omitido no artigo 8º da mesma Medida Provisória, qual seja o oferecimento, pelo Empregador, de curso ou programa de qualificação profissional como condição para a suspensão contratual.

A interpretação mais cautelosa nos leva ao entendimento de que a edição da Medida Provisória não teve por finalidade criar nova hipótese de redução proporcional de jornada e salário ou suspensão contratual, mas sim instituir um pacote de contrapartidas apto a mitigar, em especial para pequenas e medias empresas, a exigência de negociação coletiva para adoção das medidas emergenciais já previstas nos artigos 476-A e 503, ambos do Texto Consolidado. Por esse prisma, permaneceria em vigor a exigência de oferecimento de curso ou programa de qualificação pelo Empregador como requisito de validade da suspensão contratual, com as modificações incluídas pelo artigo 17, I, mencionado acima.

Vale mencionar, contudo, que a supressão da exigência do oferecimento de curso ou programa de qualificação profissional pode ter tido como fundamento a dificuldade de instrumentalização destes, em face do estado de calamidade pública vivido, o que levaria à interpretação de que a Medida Provisória em debate assegurou, de fato, a possibilidade de suspensão contratual independentemente do oferecimento de curso ou programa de qualificação, os quais, se fornecidos, poderão ser realizados integralmente na modalidade não presencial.

Noutra linha, é fundamental salientar que, em ambas as hipóteses (redução de jornada e salário ou suspensão do contrato), o Empregador poderá pagar ao Empregado uma ajuda compensatória mensal a ser cumulada com o Benefício custeado pela União, a qual deverá constar expressamente do acordo individual ou coletivo a ser firmado e não terá natureza salarial, razão pela qual não integrará a base de cálculo do imposto de renda na fonte ou na declaração de ajuste da pessoa física, bem como não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha, incluindo a base de cálculo do valor devido ao FGTS.

O Programa é finalizado com previsão de que as Convenções ou Acordos coletivos celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação à Medida Provisória que o institui. Discorre, ainda, sobre a facilitação da convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou acordo coletivo por meios eletrônicos e prazos reduzidos pela metade.

Ademais, em caso de descumprimento da garantia provisória no emprego do Empregado que se beneficiar do Programa ora debatido, o Empregador estará sujeito ao pagamento, além das verbas rescisórias, de indenização no valor de: a) 50% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 25% e inferior a 50%; b) 75% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 50% e inferior a 70%; ou c) 100% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual superior a 70% ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.

Por fim, o artigo 5º, § 2º da MP 936/20 dispõe que o Benefício Emergencial a ser custeado pela União será de prestação mensal e devido a partir da data de início da redução da jornada de trabalho e salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, devendo o Empregador informar ao Ministério da Economia a adoção de tais medidas no prazo de 10 dias a contar da celebração do acordo. A forma de transmissão das informações pelo Empregador será regulada através de Ato do Ministério da Economia a ser publicado.

Podemos concluir que o Governo, embora com certo atraso, acertou no conjunto de medidas adotado, especialmente ao voltar atrás na previsão de suspensão do contrato de trabalho por quatro meses, sem qualquer contraprestação, o que, fatalmente, causaria perda acentuada do poder aquisitivo dos trabalhadores, colocando-os em condição de miserabilidade.

Como crítica, destacamos que a opção por vincular a garantia provisória de emprego apenas aos trabalhadores afetados pela redução de jornada ou suspensão contratual abrirá brecha para o indesejado crescimento desenfreado do desemprego, uma vez que as empresas beneficiadas poderão se utilizar do Programa e ainda assim rescindir o contrato de outros empregados. Em sentido contrário, o Governo da Argentina editou Decreto proibindo rescisões sem justa causa ou por conta de diminuição de trabalho e força maior pelo período de 60 dias, em contrapartida aos pacotes de auxílio financeiro às empresas.

É certo, também, que pequenas e médias empresas estão, no momento, com perdas de 80% e até 100% de seu faturamento, e a exigência de manutenção na folhas de qualquer empregado poderia ser uma barreira intransponível para a adesão ao Programa, fazendo cair por terra as expectativas de impacto, estimado pelo Governo em cerca de vinte e quatro milhões de pessoas.

Por outro lado, o texto da MP 936/20 trouxe importante acréscimo ao Programa anunciado, ao estender aos empregados com contrato de trabalho intermitente o pagamento do Benefício Emergencial, no valor fixo de R$ 600,00 e pelo período de três meses, independentemente de qualquer medida dos Empregadores, desde que não ocorra, contudo, cumulação com qualquer outro auxílio emergencial

O Governo, enfim, apresenta as medidas tão esperadas por empresários e trabalhadores, que, se não agradam a todos, certamente contam com o espírito de cooperação inerente à situação de calamidade experimentada. Cabe, agora, aos atores sociais a missão de reduzir ao máximo o impacto social decorrente do estado de emergência de saúde pública com as ferramentas ora postas.

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