A possibilidade de saque do FGTS perante o atual estado de calamidade pública

17/04/2020 Rangel e Simões

por WALKYRIA LANDIM, Advogada

O fundo de garantia por tempo de serviço, regido pela Lei n° 8.036 de 1990, caracteriza-se como um direito constitucional[1] inerente a todo trabalhador celetista, cuja fruição é condicionada as hipóteses previstas no art. 20 da legislação específica. Uma das circunstâncias capaz de viabilizar o saque dos valores constantes na conta do trabalhador vinculadas no FGTS é a prevista no inciso XVI, alínea “a”, que autoriza a movimentação em caso de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorram de desastre natural, devendo o obreiro ser residente em área na qual tenha sido declarado estado de emergência ou estado de calamidade pública.

Diante da atual circunstância de emergência de saúde pública de magnitude global causada pelo vírus COVID-19, “coronavírus”, o Governo Federal, por meio do Decreto Legislativo n° 06/2020, reconheceu o estado de calamidade pública em todo o país. Logo, com o reconhecimento do estado de calamidade, surge o questionamento acerca da possibilidade de levantamento dos valores do FGTS com fundamento no artigo alhures mencionado.

Importante destacar que o referido dispositivo legal prevê como hipótese autorizadora para a movimentação da conta vinculada ao FGTS a ocorrência de desastre natural, que foi definido através do Decreto n° 5.113/04, como desastres ligados a fenômenos da natureza, valendo ressaltar, contudo,  a inserção da possibilidade de saque do FGTS na situação de desastre decorrente de rompimento de barragens[2], em razão da tragédia de Brumadinho – MG. Da análise da inclusão da referida circunstância autorizadora, conclui-se que, desconsiderando a exigência do requisito “desastre natural”, o poder executivo apegou-se a decretação do estado de emergência e calamidade pública e, principalmente, a necessidade pessoal do trabalhador, diante de uma urgência e gravidade do fato para conceder a este o direito ao acesso ao fundo.

Dessa maneira, entende-se que o Decreto n° 5.113/04 não deve ser encarado como um rol taxativo, servindo como referência para as autoridades que gerem o fundo ora em debate, estabelecendo parâmetros a serem observados quando da ocorrência de uma catástrofe, sua gravidade e da urgência e necessidade da população.

Assim, o contexto de gravidade, urgência e necessidade pessoal é exatamente a realidade experimentada por diversos trabalhadores Brasil afora em razão da pandemia que o mundo enfrenta, cujo levantamento dos valores existentes em suas contas vinculadas ao FGTS representaria verdadeiro suporte econômico pare enfrentamento desse período de crise levando-se em conta as medidas para manutenção dos empregos, autorizadoras da redução de carga horária e salário, a suspensão dos contratos de trabalho, bem como as medidas para contenção da disseminação do vírus, com o fechamento de estabelecimentos não essenciais, que, apesar de extremamente necessárias, impactam severamente no âmbito econômico do país, repercutindo, em especial, na classe proletária e menos abastada.

Declarado o estado de calamidade pública, baseando-se no art. 20, inciso XVI, alínea “a”, entende-se que, uma vez mais, o termo “desastre natural” deve ser relativizado, a fim de que o benefício de saque dos valores do FGTS seja concedido a todos aqueles trabalhadores que evidenciem o estado de necessidade e urgência, diante do prejuízo do sustento próprio e de seus familiares. Esse, inclusive, é o entendimento firmado pelo STJ, “por entender que não se poderia exigir do legislador a previsão de todas as situações fáticas ensejadoras de proteção ao trabalhador[3].

Tomando por base à própria nomenclatura do fundo, “Fundo de Garantia”, é preciso interpretar a legislação de maneira alicerçada na efetiva proteção do bem jurídico, observando-se os fins sociais a que ele se destina, qual seja, garantir a manutenção da dignidade da pessoa humana, servindo como mecanismo de melhoria da condição social a partir da formação de um patrimônio do próprio empregado a ser utilizados em situações de necessidade.

Evidente que é essencial à comprovação da necessidade do trabalhador em sacar tais valores, demonstrado que de fato foi afetado pelo declarado estado de calamidade pública, a fim de não desvirtuar a própria finalidade do levantamento, trazendo proporcionalidade e razoabilidade na autorização de movimentação das contas, eis que tal conduta acarretará em impactos financeiros à própria Caixa Econômica Federal e aos programas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana, tal como prevê os arts. 6º e 9º da Lei n° 8036/90.

Diante do exposto, entende-se que a decretação do estado de calamidade possibilita o saque dos valores existentes nas contas vinculadas do FGTS, desde que demonstrada a necessidade de cada indivíduo. No entanto, tratando-se de discussão ainda não pacificada, diante da situação nunca antes enfrentada pelo país, é essencial consultar um advogado especialista  a fim de verificar o cabimento do pleito em cada caso concreto.

[1] Art. 7°, inciso III, da Contituição Federal

[2] Art. 2º, parágrafo único, Decreto n° 5.113/04

[3] REsp 1251566/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA

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