O direito à privacidade em tempos de pandemia – pode o condômino ser obrigado a informar que contraiu COVID-19?

12/06/2020 Rangel e Simões

Por Nilton Simões, Advogado

Passados os primeiros meses de pandemia, muitas medidas foram e continuam sendo adotadas em diversas esferas visando evitar a disseminação do coronavírus em larga escala, especialmente o isolamento social, o distanciamento físico, o uso de máscaras e o reforço com a higiene das mãos.

Analisando o universo dos condomínios residenciais, é comum observar a adoção de medidas como a proibição da circulação de entregadores de delivery, vedação ao uso de elevadores por mais do que duas pessoas, instalação de dispernsers de álcool em gel nas áreas de uso comum, além de outras mais rígidas, como a proibição de festas, interdição de áreas comuns, imposição do uso de máscaras, dentre outras.

Muito embora algumas regiões estejam se encaminhando para a flexibilização das medidas mais restritivas, deve-se ter em mente que a reabertura do comércio e retomada de atividades não essenciais fará aumentar a circulação de pessoas em potencial contato com o vírus no âmbito, até então protegido pelo isolamento, dos condomínios, pelo que se conclui que é hora de redobrar a atenção.

É dentro desse cenário, de provável aumento de casos positivos nos edifícios que cumpriram rotinas de quarentena, que cresce o debate a respeito da possibilidade de o Síndico, através da competente assembleia geral, exigir do condômino que este informe resultado positivo de exame para COVID-19.

A polêmica em torno do tema reside no fato de tal medida violar o direito constitucional à privacidade, consagrado no artigo 5º, X, da Constituição Federal, que assim dispõe: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Muitos são os doutrinadores que apontam existir conflito entre os direitos fundamentais à vida, previsto no próprio caput do artigo 5º supra transcrito, e o direito à privacidade, uma vez que a exigência de comunicação de resultado positivo decorreria de um interesse maior de preservação da vida de todos os condôminos e trabalhadores, motivo pelo qual invocam a ponderação entre direitos fundamentais, calcada no princípio da proporcionalidade.

É imperioso registrar, contudo, que para que se busque a resolução de uma colisão de direitos fundamentais é necessário existir efetivo conflito e não apenas mera ameaça, sobretudo em razão de inexistir no ordenamento jurídico brasileiro hierarquia entre os direitos fundamentais, não se admitindo a sua mitigação sem clara e manifesta demonstração da ofensa que poderia ensejar o conflito.

É dizer, portanto, que, havendo outros meios de solucionar o potencial ataque ao preceito constitucional de proteção à vida, não há como se autorizar a mitigação do direito à privacidade em face de mera expectativa de lesão à coletividade.

O mais seguro, nessa situação nova para todos, é adotar a cautela. Os síndicos podem e devem encorajar os moradores a lhes comunicar caso de confirmação da doença, com o intuito de controlar o contágio, amparado aqui pelo quanto previsto nos artigos 5º e 6º da Lei 13.979/20, que dispõem: “Art. 5º Toda pessoa colaborará com as autoridades sanitárias na comunicação imediata de: I – possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus; II – circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo coronavírus. Art. 6º É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de evitar a sua propagação”.

Recebida a informação, os síndicos deverão preservar a intimidade do infectado, informando aos demais moradores apenas a existência de caso confirmado, jamais sua identidade, além de adotar reforçar as medidas de desinfecção, em especial das áreas por onde o infectado circulou, redobrando o cuidado com os empregados de limpeza, sobretudo quanto ao uso de EPI’s. Além disso, os síndicos são obrigados a informar o caso à Vigilância Epidemiológica, orientando o infectado acerca da necessária quarentena à qual deverá se submeter.

Nesta linha, pode-se afirmar que, muito embora não se considere possível a imposição de comunicação pelo condômino infectado, caberá a este zelar pela coletividade sob pena de infração do regramento específico transcrito em linhas pregressas.

É certo que a situação exige bom senso de ambas as partes, mormente por se tratar de situação excepcional e inédita na história recente, devendo ser analisada com cautela e embasamento jurídico, sendo importante o aconselhamento profissional antes da adoção de qualquer medida.

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