A (im)possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário mediante apresentação de seguro garantia ou fiança bancária em sede de ação anulatória ou cautelar

27/07/2020 Rangel e Simões

Por Lara Rangel, advogada

Prevalece na doutrina e na jurisprudência pátria o entendimento segundo o qual a apresentação do seguro garantia ou da fiança bancária como meio de garantia da execução fiscal em sede de ação anulatória ou ação cautelar não se equipara ao depósito integral em dinheiro para fins de suspensão da exigibilidade do crédito. Tal entendimento se firma primordialmente na taxatividade das hipóteses previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional (dentre as quais não estão incluídos o seguro garantia e a fiança bancária), assim como na Súmula 112 do STJ, publicada há mais de 20 anos, que prevê que “o depósito somente suspende a exigibilidade do credito tributário se for integral e em dinheiro”.

Cria-se, então, uma situação, no mínimo, inusitada. É que, aquele contribuinte que quiser propor ação cautelar/ação anulatória com vistas a discutir o débito tributário antes mesmo de ser executado pelo Fisco, ainda que garanta integralmente o crédito mediante apresentação de seguro garantia ou fiança bancária, não poderá, ao menos em tese, obter a suspensão da exigibilidade do referido crédito tributário. Por outro lado, se esse mesmo contribuinte aguardar ser executado judicialmente e no curso dessa execução fiscal apresentar o mesmo seguro garantia ou fiança bancária, terá a exigibilidade suspensa, em virtude do quanto disposto nos artigos 9°, 15 e 16 da Lei de Execução Fiscal – que a partir das alterações inseridas pela Lei nº 13.043/14, passou a prever tais garantias.

Diante disso, levanta-se o seguinte questionamento: se a legislação especializada (Lei de Execução Fiscal) elenca o seguro garantia e a fiança bancária como equivalentes ao depósito em dinheiro para fins de suspensão da exequibilidade da execução fiscal, qual razão justifica a não equivalência desses instrumentos para fins de suspensão da exigibilidade do crédito em sede de ação anulatória/ação cautelar?

No que diz respeito à limitação imposta pela interpretação taxativa do art. 151 de CTN, há de se observar que tal entendimento, para além de violar as garantias constitucionais da igualdade, acesso à justiça, ampla defesa e contraditório, vão de encontro ao próprio avanço da jurisprudência dos tribunais pátrios que, por vezes, atribuem interpretações analógicas aos incisos do referido dispositivo legal como forma de viabilizar a flexibilização de tais hipóteses. É o que acontece, por exemplo, com o pedido administrativo de compensação que, apesar de não expressamente previsto, é reconhecido de forma analógica como hipótese de suspensão.

Já no que concerne ao argumento pautado na súmula 112 do STJ, cumpre analisá-lo sob uma perspectiva histórica. Isso porque, a referida súmula fora publicada em 03 de novembro de 1994, ou seja, há mais de 20 anos atrás, quando, por óbvio, a realidade econômica, jurídica e social do país era amplamente diversa da atualmente vigente. A utilização do seguro garantia em processos judiciais apenas se difundiu cerca de 10 anos depois a publicação da supramencionada súmula, em meados de 2003, a partir da edição da circular da SUSEP 232, de 3 de junho de 2003, que regulamentou esta modalidade de garantia.

Foi justamente em atenção à crescente utilização do seguro garantia judicial que em 2006 tal modalidade foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 11.382/06 e, posteriormente, em 2014, fora também inserida na Lei de Execução Fiscal como forma de garantia da execução fiscal. Tem-se, portanto, que a Súmula 112 do STJ já não está alinhada com a realidade prática das modalidades de garantia judicial, tampouco com a legislação concernente ao tema, não devendo ser aplicada de modo automático e acrítico.

Para além da análise do ponto de vista legal e jurisprudencial, há de se observar a própria racionalidade econômica da utilização destes meios de garantia em detrimento do depósito em dinheiro. Isso porque, a garantia do crédito tributário mediante apresentação de seguro garantia ou fiança bancária traz ao exequente o mesmo benefício do depósito em dinheiro, qual seja, a garantia de recebimento do crédito; por outro lado, traz ao executado o importante benefício de não se ver obrigado a despender, de imediato, enormes montantes em dinheiro com vistas a garantir o crédito, o que, quando necessário, ou inviabiliza o seu acesso à justiça ou diminui gritantemente o seu capital de giro.

Importa aqui relembrar que diante da impossibilidade de obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário mediante apresentação do seguro garantia ou da fiança bancária em sede de ação cautelar/ação anulatória, resta o contribuinte fadado a se sujeitar aos mais diversos ônus decorrentes da exigibilidade do crédito — como inscrições em cadastros de inadimplentes, submissão à sanções políticas impostas pelo Poder Público, sem falar na própria propositura da execução fiscal; tudo isso mesmo estando o débito devidamente garantido.

Não se está, portanto, discutindo uma questão meramente formal, mas sim um entendimento que, pautando-se em premissas já ultrapassadas e não mais coerentes com a realidade econômica e do próprio ordenamento jurídico brasileiro, impõe efetivo obstáculo de acesso à justiça.

Diante deste cenário, parece necessário repensar a interpretação que vem sendo dada ao art. 151 do CTN, assim como a própria súmula 112 do STJ, de modo a restarem alinhados não só com a Lei de Execução Fiscal, como também com o Código de Processo Civil (princípio da menor onerosidade) e a própria Constituição Federal, preservando e cumprindo as garantias constitucionalmente asseguradas da igualdade e do acesso à justiça, de modo a permitir ao contribuinte discutir o que entender de direito antes mesmo de ser executado pelo Fisco.

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