Portaria que considera discriminatória dispensa por justa causa de empregado que não apresentar comprovante de vacinação já tem sua constitucionalidade discutida no STF

10/11/2021 Rangel e Simões

Por Leonardo Alves, advogado

 

No dia 01/11/2021, o Governo Federal, através do Ministério do Trabalho e Previdência, editou a Portaria 620, que, entre outras coisas, considera como discriminatória a exigência de comprovante de vacinação como condição para manutenção ou acesso ao emprego, e proíbe a dispensa por justa causa de empregado que não apresente o referido documento.

A Portaria prevê, ainda, que a dispensa por justa causa do empregado por não apresentar o comprovante de vacinação faculta ao trabalhador, além do direito à reparação pelo dano moral, optar entre a reintegração ao emprego, com ressarcimento da remuneração do período de afastamento, e a percepção, em dobro, da remuneração do período em que permaneceu afastado. Todavia, a inconstitucionalidade da referida Portaria é evidente, na medida em que invade competência exclusiva do Poder Legislativo.

O Poder Executivo não tem competência para criar leis. O art. 87, parágrafo único, II, da Constituição Federal, permite que ministros de Estado expeçam instruções para o fiel cumprimento de leis, decretos e regulamentos. Porém, a Portaria 620, do Ministério do Trabalho e Previdência, não regulamenta qualquer destas espécies normativas. Em verdade, inova no ordenamento jurídico, criando obrigações gerais e abstratas (ou seja, lei) em matéria de direito do trabalho, o que, repita-se, incumbe exclusivamente ao Poder Legislativo federal, nos termos do art. 22, I, da Constituição.

Com base tanto neste fundamento como em outros, o partido Rede Sustentabilidade ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra a referida Portaria, argumentando que “tenta o Poder Executivo Federal impor suas vontades ao Congresso Nacional, como modus operandi padrão”.

A ADPF foi distribuída sob o n. 898[1]. Trata-se de uma ação cujo julgamento incumbe exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal. Seu objetivo consiste em desconstituir atos que violem preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal, a exemplo dos dispositivos que versam sobre a distribuição de competências entre os Três Poderes.

O partido Rede Sustentabilidade também argumenta que a Portaria vai de encontro ao entendimento da própria Justiça do Trabalho, inclusive do próprio Tribunal Superior do Trabalho, mencionando o Ato GP.GVP.CGJT 279/2021, da referida Corte, publicado em 03/11/2021, que passou a exigir a apresentação do comprovante de vacinação como requisito para ingresso e circulação nas dependências do fórum.

Ato semelhante já havia sido editado pelo STF, que publicou a Resolução 748, em 26/10/2021.

A ADPF menciona, também, algumas decisões de Tribunais Regionais do Trabalho, como o entendimento do TRT da 2ª Região (São Paulo), que validou a dispensa por justa causa de empregada de hospital infantil que se recusou a tomar vacina contra covid[2].

Vale mencionar, também, que foi proposto no Senado Federal, projeto de lei de autoria do Senador Humberto Costa (PT-PE)[3], com o objetivo de sustar a Portaria 620/2021, do Ministério do Trabalho e Emprego.

Em resumo, o ato do Poder Executivo invade a competência do Poder Legislativo e contraria o entendimento do Poder Judiciário, representado pelas Cortes Superiores (especificamente STF e TST), e consiste em mais uma das muitas tentativas do Governo Federal de desestimular a vacinação contra a COVID-19.

Destaque-se que o próprio STF já decidiu, nas ADIs 6586 e 6587 e no ARE 1.267.897, no sentido de que é constitucional a determinação de realização compulsória de vacinação.

Neste contexto, é provável que a Portaria não prospere, sendo questão de tempo até que seja declarada inconstitucional pelo STF ou sustada por ato do Congresso Nacional.

[1] Disponível em < https://static.poder360.com.br/2021/11/Peticao-Inicial-ADPF-Demissao-Vacina.pdf >.

[2] Disponível em < https://ww2.trt2.jus.br/noticias//noticias/noticia/news/empregada-de-hospital-infantil-se-recusa-a-tomar-vacina-contra-covid-19-e-recebe-justa-causa/?tx_news_pi1%5Bcontroller%5D=News&tx_news_pi1%5Baction%5D=detail&cHash=4a1f82c89c00b6edf90136534cc59a21 >.

[3] Disponível em < https://static.poder360.com.br/2021/11/projeto-portaria-trabalho-vacinados.pdf >.

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