É possível dispensar por justa causa o (a) empregado (a) que se recusar a se submeter à imunização contra o coronavírus?

18/01/2021 Rangel e Simões

Por Leonardo Alves, advogado

Ontem, 17/01/2021, a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, finalmente autorizou o uso emergencial das vacinas de Oxford e da CoronaVac. Exatamente um mês antes, em 17/12/2020, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento das ADIs 6.586 e 6.587 e do ARE 1.267.897, concluiu pela constitucionalidade da imunização obrigatória, desde que preenchidos os seguintes requisitos:

  • a vacina tenha sido registrada em órgão de vigilância sanitária;
  • tenha sido incluída em programa nacional de imunizações;
  • tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei;
  • seja objeto de determinação da União, Estados e Municípios, com base em consenso médico científico.

A Suprema Corte consignou, ainda, que a vacina obrigatória não se constitui em violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem ao poder familiar.

Importante destacar que imunização compulsória não significa vacinação forçada, através de meios diretos de coação. Na mesma decisão, o STF registrou que a recusa do usuário é facultada, mas que esta pode importar em medidas indiretas de coação, como, por exemplo, restrição ao exercício de determinadas atividades ou de frequência a determinados ambientes.

Diante deste contexto, surge o questionamento acerca da possibilidade de dispensa por justa causa, por indisciplina ou insubordinação, do empregado que se recusar a se submeter à imunização. Duas correntes parecem já ter se desenhado a respeito. A primeira delas prega que, com base na obrigação de manter o ambiente de trabalho saudável e seguro, o empregador poderia, sim, exigir que o trabalhador se submetesse à vacina, sob pena de dispensa motivada, levando-se em conta que o art. 7º, XXII, da Constituição prevê como direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Parte-se, nesse caso, do pressuposto de que o interesse coletivo deve ter prevalência, na medida em que um único empregado não vacinado poderia colocar em risco a saúde de todos os demais trabalhadores.

Uma segunda linha de entendimento, porém, prega que não há como se admitir a possibilidade de dispensa por justa causa do empregado que se recusar a participar do plano de imunização. Essa corrente defende que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não confere esta prerrogativa ao empregador, apenas se admitindo, portanto, os meios indiretos de coação por ventura previstos em lei, como registrado pelo STF. O raciocínio, aqui, se baseia no estrito princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, conforme prevê o art. 5º, II, da Constituição Federal.

Em resumo, para esta corrente, enquanto não houver lei prevendo esta possibilidade, não poderá ser o empregado dispensado por justa causa, tampouco poderá ser obstada sua admissão em novo emprego. Defende-se, também, que não poderia se cogitar de despedida sem justa causa, pois em tal situação estar-se-ia diante de dispensa discriminatória, em que pese a dificuldade probatória que pesaria contra o empregado.

Trata-se de questão bastante controversa, quando se leva em consideração que o empregador é obrigado a manter o ambiente de trabalho saudável e seguro e que, em meio à pandemia, teve que adotar uma série de protocolos de segurança para evitar a disseminação da doença.

Argumenta-se também que um empregado infectado poderá infectar os demais, gerando afastamentos, emissão de CATs (Comunicação de Acidente de Trabalho) e inclusive responsabilização civil do empregador, ou seja, gera prejuízos para ambos os lados: trabalhadores e patrões, colocando em risco não apenas a vida, bem mais importante, como também a atividade econômica.

Invoca-se, ainda, o direito à vida e à saúde, justamente as preocupações que levaram à restrição das atividades comerciais durante o período pandêmico (com a ressalva de que a restrição do funcionamento do comércio é de competência dos Municípios, e não da União, e que as medidas foram autorizadas por Decreto).

Como se trata de questão nova, até que lei venha definir o procedimento correto, a jurisprudência ainda deverá se debruçar sobre o assunto. Mas nos parece, com o perdão da pouca maturidade que a novidade da discussão impõe ao tratamento do assunto, que a segunda corrente (impossibilidade de dispensa por justa causa) parece mais razoável.

Não obstante a força normativa dos princípios, é juridicamente mais seguro seguir a letra da lei neste caso. Se a CLT ou qualquer outra norma não prevê esta prerrogativa ao empregador, não pode este despedir o empregado por justa causa em razão da recusa à imunização.

Contudo, o empregador pode e deve, mesmo após a vacina e até que o percentual mínimo da população esteja vacinada, continuar adotando todos os meios recomendados pelos órgãos competentes em matéria de saúde e segurança do trabalho para prevenção do contágio pelo novo coronavírus.

Deverá o empregador, por exemplo, desenvolver e manter um plano de prevenção de infecções, fornecer meios para lavagem adequada das mãos, disponibilizar álcool, máscaras, lenços de papel e papel-toalha, orientar os trabalhadores para que permaneçam em casa se por ventura apresentarem sintomas ou suspeitarem da infecção pelo coronavírus, reorganizar os postos de trabalho para garantir o distanciamento social, permitir o trabalho em home office para as funções que admitirem a adoção desse regime, higienizar frequentemente o ambiente de trabalho etc.

Situação diversa ocorrerá se for editada lei (de competência exclusiva da União) facultando a possibilidade de dispensa por justa causa do empregado que resistir à vacina, ou até mesmo lei local condicionando, por exemplo, o funcionamento do comércio e outros estabelecimentos de serviços à imunização de todos os trabalhadores. Em tais casos, defende-se a possibilidade da despedida motivada do empregado que recusar a imunização.

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